Depois da visão estarrecedora que o Prof. Peña teve da janela de sua casa do trote universitário, descrevendo-a neste Blog na sexta-feira passada como uma anomalia social, só nos resta repetir suas palavras: "uma coisa chamada trote –a rua inteira transformada num cemitério da inteligência e da razão. E, mais que medo físico, perfeitamente justificado, senti vergonha de pertencer à classe dos humanos". (leia aqui o artigo) No mesmo dia, os jornais mostram acontecimento semelhante com um jovem acorrentado num poste em plena Av. Paulista, o que nos obriga a comentar se não existiriam atitudes mais inteligentes para comemorar o ingresso num curso superior. Trote é um misto de maldade, selvageria, burrice e ignorância, mas também está envolvido por uma dose de masoquismo, e, nesta última condição, de submissão a algum prazer, o indivíduo se entrega a sofrimento, assumidamente perverso, como agente ou paciente. A “instituição do trote” é secular e nada consegue obstaculizar esse ridículo ritual de introdução do calouro ao meio universitário, ainda que existam normas proibindo ou regulamentando. O estudo desse comportamento hostil é tarefa para especialistas em antropologia e sociologia. Aos olhos dos não iniciados nessas ciências, como os meus, trago só o verbete aberração social. Uma corja desqualificada que quer impingir poder e autoridade como se a “velhice” do veterano pudesse se impor a tais atos quando deveria ser o contrário: sociabilidade, serenidade, amadurecimento e equilíbrio moral. O desequilíbrio pérfido, até hormonal, muito além do bullying, talvez sinalize que algumas coisas não vão bem na casa de cada um. As instituições educacionais, com justa razão, lavam as mãos de toda e qualquer ocorrência fora dos muros da instituição porque o “lá fora” é espaço público, portanto de competência das autoridades e governos, embora veteranos e calouros de alguma forma ostentem faixas, camisetas, bonés e outros itens com o logo da escola. Ou seja, publicidade desastrosa denegrindo o bom nome da escola em uma festa sádica por excelência, porque inexiste “graça” em perpetrar ao calouro uma atividade típica de gincana como o “cabo de guerra”, medir o quarteirão com palito de fósforo, correr com uma colher na boca contendo um ovo, etc. etc. Não, o que se deseja é o propósito do ridículo, a exposição vexatória submetendo rapazes e moças às vezes a uma degradação totalmente inaceitável e insuportável, seja pelo próprio calouro, família e sociedade em geral. E quem aplaude é cúmplice do ato insidioso. Ensandecidos, os veteranos mais parecem cachorro dobermann com capacete de motoqueiro na cabeça, menor que o número correto, desopilando fígados e esvaindo-se em álcool – sabe-se lá por quais outras drogas e tóxicos altamente inflamáveis – impondo “castigos” que em algumas vezes se chegou à morte sob o manto da impunidade. Pretender analisar o trote à luz da atualidade é querer minorar os efeitos e consequências das turbas, dos grupelhos que se arvoram em detentores de algum direito, contaminados pelo germe da balbúrdia, da quebra harmônica das relações sociais, o rompimento do controle social porque exercido de forma hegemônica ante a fragilidade do calouro isolado e amedrontado. Não há lei que iniba o comportamento desregrado se ela não se impuser com penas adequadas à tipologia, pois o homem é beligerante por natureza e sempre lhe agrada a arena, o pão e circo. E se somos livres para fazer escolhas também devemos ser prisioneiros das consequências diante da Lei. A grande diferença do ontem para o hoje, quanto ao trote, é que a patuleia é arregimentada pela internet e redes sociais, a exemplo das convocações dos black-blocs, sendo impossível o domínio do controle dos predominantes mal intencionados. O que antes parecia estar restrito a alguns poucos cursos, não da área de humanas, agora se alastrou e o que antes também parecia ser iniciativa de grandes escolas agora conta até com as minúsculas. Quando antes o trote se revestia de um prêmio ao calouro por ter sido aprovado em concurso acirradíssimo, hoje é banalizado. Só resta apelar para a educação informal dos lares e das famílias, a quem continuamos atribuindo a responsabilidade de formar pessoas na plenitude da participação social. E o que não dá pra entender muito bem é que o calouro de hoje será o veterano de amanhã, mas o círculo não abre nunca. Os ciclos se sucedem com uma estranheza misteriosa. A vítima de hoje se transforma no réu de amanhã e ninguém explica o revanchismo, não se dá um basta final. Como explicar?Todo mundo pensando em deixar um planeta melhor para os filhos. Quando pensaremos em deixar filhos melhores para o nosso planeta? – Anônimo